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A Defesa Penal

O Código de Processo Penal, art. 396-A, diz que, na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.

O verbo poder indica faculdade, ou possibilidade, e não um dever.

Daí se tem que não há obrigatoriedade da defesa penal ser apresentada no prazo e nos termos a que se refere a lei processual penal, no art. 396-A. Certo?

Certíssimo!

Não é o legislador, muito menos qualquer juízo criminal, quem decide o momento ideal (o timing) e, sobretudo, o conteúdo temático, próprio e específico, a ser alegado, perante o juízo criminal, por parte defesa técnica do acusado. Essa tarefa cabe, com exclusividade, absoluta, ao advogado. O Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, art. 11, afinal, diz que ao advogado cumpre “imprimir à causa orientação que lhe pareça mais adequada, sem se subordinar a intenções contrárias do cliente, mas, antes, procurando esclarecê-lo quanto à estratégia traçada”.

Não há, também, como visto, ao contrário, entretanto, do que, à primeira vista possa parecer, nenhuma determinação temporal. O que importa, decerto, é a existência de orientação adequada. A adequação, é necessário dizer, tem de ter vista, e entendida, sob a ótica, privada e restrita, do advogado. E de mais ninguém. Insista-se.

Assim, por exemplo, é possível, às vezes é desejável e, também, imprescindível, que, no prazo do art. 396-A, a defesa, técnica, se limite a dizer que, estrategicamente, apresentará seus argumentos defensivos nas alegações finais, mediante memorial, art. 403, CPP. Para surtir resultado mais satisfatório, por não serem os argumentos defensivos antecipadamente conhecidos pela acusação.

Aguardar o apuramento, formal, da prova, perante o juízo penal, sob fogo cruzado, ou contraditório, se se preferir, pode ser, e normalmente o é, medida defensiva pertinentíssima. É, em alguns casos, cautela irremediável, prudente e inafastável; não é, certamente, um drible banal. O criminalista, nesse sentido, analisando a concretude e as circunstâncias da hipótese penal, decidirá como fazer a melhor defesa, levando em conta o timing.

A logística defensiva, ademais, é larguíssima (a autodefesa pode mentir, o advogado não pode, se o fizer comete infração ética punível em mais de um campo de responsabilidade). Da amplitude da defesa, profunda e extensa, e dos recursos a ela inerentes, surge, para o advogado, a possibilidade, e mais do que isso, o dever, ético, essencial, de elaborar para o cliente uma defesa fundamentada, eficiente e eficaz. Mas não há, absolutamente, o dever jurídico de absolver o cliente. O que vale por dizer que advogado pode, se o caso assim o indicar, deixar de apresentar qualquer defesa, no prazo da resposta, art. 396-A, CPP. A menção, todavia, direcionada ao juízo da causa penal, da existência de uma estratégia defensiva, já traçada com o cliente, é bastante, além de obrigatória. Isso, é claro, se a defesa, vale insistir nisso, não for apresentada no momento processual de que trata o art. 396-A, CPP. O defensor que atuar dessa maneira jamais poderá, sequer, ser censurado, ou criticado, por qualquer autoridade, judicial ou não, sob pena de responsabilidade civil, penal e administrativa de quem o fizer. O silêncio, defensivo, relativamente aos fatos narrados e ou descritos, pelo acusador, na denúncia, pode, então, ser oportuno, conveniente e, acima de tudo, útil à estratégia defensivamente esboçada. Uma abordagem inicial, silenciosa, clara e concisa, materializa, portanto, no processo penal de conhecimento, o valor da dignidade da pessoa humana. Ao mesmo tempo em que efetiva liberdades individuais, direitos fundamentais e garantias processuais ou judiciais.

É imprescindível, em acréscimo, o registro de que não há uma receita, ou fórmula, pronta e acabada, para a realização e para a articulação, perante o juízo criminal, da defesa do acusado. Menos ainda um limite temporal, rígido e inescapável. A hipótese concreta, assim, considerado o Direito Penal do Fato, ditará, caso a caso, a melhor tese defensiva a ser sustentada, bem avaliadas a forma, o conteúdo, a oportunidade, a flexibilidade, a versatilidade, o timing.

Seja como for, é imprescindível manter, sempre, e, especialmente no curso da persecução penal, o valor da dignidade da pessoa humana do acusado, os seus direitos individuais e as suas garantias, processuais, fundamentais. Notadamente, a liberdade de ir, de vir e de ficar. Não há vida sem liberdade.

Por isso que o CED, o Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, no art. 23, caput e parágrafo único, o principal dispositivo normativo escrito sobre a defesa penal, determina que “é direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado. Não há causa criminal indigna de defesa, cumprindo ao advogado agir, como defensor, no sentido de que a todos seja concedido tratamento condizente com a dignidade da pessoa humana, sob a égide das garantias constitucionais.”

Ao advogado, em consequência disso tudo, assiste o direito, e toca o dever, ético, fundamental e inexorável, de defender, em sede de juízo penal, a pessoa, natural, acusada de ter praticado um crime, qualquer crime. (Independentemente do pensamento, ou da convicção, que, no ponto, tiver sobre a responsabilidade penal do imputado.) O que se faz mediante a invocação, na resposta criminal, do postulado da dignidade da pessoa humana, das liberdades, dos direitos fundamentais e das garantias processuais, ou judiciais. A forma defensiva é inteiramente livre. Não há engessamento sobre o conteúdo da resposta. No tocante à oportunidade, ela tem de ver avaliada, hipótese a hipótese, processo a processo.

*Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York

 

Fonte: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-defesa-penal/

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