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A importância do devido processo legal

Para muitos, respeitar o devido processo legal é algo “garantista”, excessivo e oneroso, como se bastasse o “flagra” de uma situação aparentemente criminosa para aplicar uma punição (mesmo que severa) a quem foi flagrado.

Só que as coisas não são bem assim.

Trago para vocês, neste texto, um caso recente que demonstra como devemos ter cuidado com os “flagras”.

A história é mais ou menos assim:

Uma mãe parou o carro na estrada, no meio da tarde, abriu a porta do seu carro, deixou uma criança de aproximadamente 2 anos em um ponto de ônibus, fechou a porta e saiu do lugar rapidamente.

Ao lado, uma pessoa que via a cena, parou o carro da mulher e a questionou sobre o que ela fazia, quando ela respondeu alguma coisa assim: “cuida dele você!”.

A polícia foi chamada e a criança levada para o Juizado da Infância e Juventude.

Essa notícia tomou conta dos jornais da cidade, repercutindo a absurda e inacreditável história da (cruel) mãe que abandonou o seu filho em meio a uma rodovia federal, foi embora e ainda mandou que os outros cuidassem dela.

A mãe foi localizada e detida, aparentemente, surtada.

Após a divulgação do caso, apareceram o avô e o tio da criança, os quais requereram a sua guarda provisória, pois eram os seus únicos familiares por perto. O pai da criança morava em outro país.

Diante desse cenário, a mídia e a população formaram o seu convencimento: a mãe era uma criminosa, irresponsável e deveria ser punida pelo abandono do seu filho.

O que mais se ouvia pela cidade era: “como pode uma mãe abandonar o próprio filho no meio da Rodovia?”; “surtou? isso é fingimento, só pra não ser presa. Só no Brasil, mesmo!”; …

Sem falar de outros comentários tão agressivos que não merecem reprodução.

Após se recuperar do “surto”, a mãe da criança contou o que realmente tinha acontecido.

Não houve abandono do filho à própria sorte. Na verdade, ela tentava salvá-lo dos abusos sexuais de que era vítima e tinha como (supostos) autores o avô e o tio, os mesmos que requereram a guarda provisória após a divulgação dos fatos.

Segundo se apurou, a mãe (que é argentina) e a criança vieram de carro da Bahia e tinham como destino a Argentina, fugindo da violência a que eram submetidos pelo avô e tio (respectivos pai e irmão da mãe da criança).

Depois de horas dirigindo, a mãe surtou e imaginou que estava sendo seguida pelo seu pai (avô da criança), motivo pelo qual, ao avistar uma viatura policial, acreditou que se deixasse a criança no ponto de ônibus ela seria acolhida e estaria protegida.

No fim, o avô e o tio da criança foram presos, em cumprimento de mandado de prisão expedido em ação penal instaurada em uma Comarca na Bahia, que apura a prática do crime de estupro de vulnerável em face da criança (ora vítima).

É claro que os fatos ainda precisam ser esclarecidos e os acusados (avô e tio) devem ser processados e julgados pelos fatos que lhe são imputados, respeitando o devido processo legal, de modo que não podemos afirmar serem eles culpados.

Mas, se o “flagra” inicial bastasse (abandono da criança na Rodovia), a mãe já teria sido julgada e condenada pela opinião popular e midiática, correndo o risco, inclusive, de ter sido linchada caso fosse detida no momento em que deixou a criança na rodovia.

Instintivamente, em casos como esse, olhamos, entristecidos e estarrecidos, apenas para a situação de abandono de uma criança tão pequena e como isso é uma atitude cruel.

Ficamos cegos e/ou ignoramos qualquer possibilidade de “explicação” para o ato. E é justamente isso que justifica a realização de uma análise técnica e imparcial.

Assim, é indispensável respeitar o devido processo legal para responsabilizar criminalmente alguém.

Sem a devida análise do caso concreto, sem possibilitar uma melhor apuração dos fatos, com conclusões apressadas e equivocadas, a probabilidade de cometer injustiças é enorme e não tem nada mais injusto do que condenar e punir um inocente.

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Autor: Pedro Magalhães Ganem

Fonte: https://canalcienciascriminais.com.br/

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