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Entenda a diferença entre erro de tipo e erro de proibição

Erro de tipo ou erro de proibição? Sabe a diferença? Sim, é de se adiantar que ambos os institutos são distintos e, mais, suas consequências jurídicas são completamente diferentes. Entender pela presença de um ou de outro pode ocasionar em resultados jurídicos diversos.

Bem, cabe dizer que esta pequena coluna não tem a pretensão, tampouco o espaço, de se imiscuir nas inúmeras discussões que entendem esses institutos dentro das diversas teorias da conduta, e, por conseguinte, das teorias do delito em direito penal.

A depender da teoria da conduta adotada, teremos variações na compreensão dos institutos, sendo possível que uma coisa seja vista como um erro de tipo numa e erro de proibição noutra.

Não faremos isso.

A pretensão será suscitar o interesse e a reflexão da matéria – que, diga-se, permite discussões formidáveis – a partir das premissas adotadas pelo nosso código penal.

Sigamos.

O erro de tipo vem previsto em nosso Código Penal no artigo 20. Em suma, para sua configuração, é necessário que o agente, ao praticar a conduta formalmente típica, tenha obrado em erro, ou seja, em situação de ignorância, com relação aos elementos objetivos do tipo – o que leva a formação equivocada de seu elemento subjetivo.

Nessa quadra é preciso dizer que o erro de tipo, no caso, aquele previsto no artigo 20 do CP, não se refere àquelas situações em que o agente obra com dolo, conhece os elementos objetivos do tipo, mas incide em erro em relação aos elementos acidentais do tipo (chamado de erro de tipo acidental) – casos de erro quanto à pessoa, erro de execução, erro na descriminante, aberratio criminis etc.

O erro de tipo, propriamente dito, é somente aquele em que o agente se equivoca sobre um elemento que constitui o tipo penal. Um exemplo disso está quando a pessoa, numa caçada, crê que mata um animal, mas acaba por atingir um ser humano agachado na mata.

Note-se que o erro incide sobre a elementar do artigo 121 do CP, pois o sujeito não tinha conhecimento que matava “alguém” já que cria que atingia um animal qualquer.

Com efeito, ao desconhecer que matava um ser humano, o agente não tinha como obrar com o dolo de matar um ser humano.

Como dizem PACELLI e CALLEGARI (2015, p. 302):

“Em outras palavras, considerando que o conhecimento de todos os componentes objetivos do tipo é o que configura o elemento intelectual do tipo subjetivo doloso (esse conhecimento dos elementos objetivos do tipo é requisito para a existência do dolo), em não havendo esse conhecimento pelo agente, inexistirá o elemento intelectual do tipo, culminando em uma atipicidade, portanto”.
Tanto é assim que o Código Penal prevê, como regra, nessas hipóteses, a ausência do tipo penal doloso. Todavia, é preciso que se cuide que é possível, sim, a punição do agente por um eventual delito culposo, mas este precisa existir na legislação – não existindo, o sujeito torna-se impunível.

Mas para se punir a título culposo, não basta só que exista a previsão legal, é necessário que o erro seja “vencível”. Logo, é preciso mais que uma tipo culposo, é mister que a situação apresentada seja decorrente de uma verdadeira imprudência do sujeito, pois, estando comprovado que, mesmo com a observância do dever de cuidado, o resultado ocorreria, estaremos diante de um erro de tipo “invencível” e, portanto, de uma conduta atípica para todos os fins.

Análise do erro de tipo deve ser feita ainda no estrato da tipicidade, quando se avaliam os elementos subjetivos do tipo, no caso dolo ou culpa, e permite considerar uma conduta atípica ou punível a título culposo se este estiver previsto.

Já o erro de proibição é um instituto ligado à culpabilidade e, por consequência, à ideia de reprovabilidade da conduta.

Como afirmam ZAFFARONI e PIERANGELI (2011, p. 524-525), a culpabilidade é a reprovabilidade que decorre do agente ter a possibilidade de compreender a antijuridicidade da sua ação e que, com isso, possa se autodeterminar a partir dessa compreensão.

A falta de uma dessas “qualidades” impede que se aceite pela reprovabilidade da conduta. Obviamente que, por ser relativo a um juízo que incide sobre o sujeito, a reprovabilidade e, com isso, a culpabilidade, permite “graus”.

Justamente por isso, a exclusão da culpabilidade somente existe quando o sujeito não possui nenhuma possibilidade de compreender a antijuridicidade de sua conduta ou não possa, de maneira absoluta, se autoderminar a partir dessa compreensão.

O erro de proibição, assim, ocorreria nos casos em que o sujeito não compreende a antijuridicidade de sua ação, também representada pela figura da falta de consciência da ilicitude.

Pois bem.

Ninguém pode se eximir de pena em razão da ignorância da lei. Como é sabido, e inclusive estampado no artigo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o desconhecimento da lei é inescusável.

Porém, é óbvio que não se exige um conhecimento preciso da norma, até porque, sobretudo no mundo moderno, essa atividade tem sido difícil até para os juristas.

No entanto, o direito exige uma “valoração paralela na esfera do profano”.

O profano, no caso, seria o leigo e a valoração paralela seria a forma como ele compreende as condutas como violadoras do ordenamento jurídico dentro de seus limitados parâmetros de compreensão.

Seria dizer, todos sabem que matar é crime, que roubar é crime, mas nem todos sabem a redação do tipo penal, muito menos em que artigo está tipificada a conduta. A valoração é feita em paralelo àquela levada a cabo pelos juristas e operadores do direito a partir dos ditames sociais postos.

Em resumo, embora não sejamos obrigados a conhecer a letra seca da lei, devemos ter um mínimo de compreensão do que se enxerga como proibido.

O erro de proibição ocorre quando o agente não compreende um fato como ilícito ou o enxerga como permitido. Mas, ao contrário do erro de tipo, o erro de proibição apenas poderá excluir a culpabilidade do agente, mas não o seu elemento subjetivo (no caso o dolo), assim, apenas permitirá a não punição da conduta em virtude da falta de culpabilidade ou a diminuição de pena, em razão do menor grau de reprovabilidade – tudo a depender do grau do erro.

O artigo 21 do CP apresenta a figura do erro de proibição direto. Essa figura ocorre quando o agente, efetivamente, não conhece a ilicitude de uma conduta proibida, como é o caso, por exemplo, da holandesa que vem ao Brasil e realiza um aborto, crendo que aqui, como em seu país, o mesmo não seja proibido; ou no caso de um islâmico casado que, no Brasil, contrai novas núpcias, acreditando que aqui também é permitida a poligamia.

Nesses casos, é preciso que se faça uma análise do grau de instrução do agente e do seu grau de conhecimento da ilicitude para se afirmar se o erro é inevitável (ou “invencível”), o que exclui a culpabilidade e, logicamente, o crime; ou se a situação exigia que o sujeito apurasse melhor a existência da proibição, o que culminaria numa redução de pena – mas manteria o delito doloso.

Situação excepcional está no caso previsto no artigo 20, § 1º, do CP.

Não obstante o mencionado parágrafo encontre-se no artigo referente ao erro de tipo, ele não se enquadra nessa hipótese, mas, sim, na de erro de proibição indireto (ou erro de tipo permissivo).

O erro de proibição indireto é aquele no qual o agente dolosamente pratica um fato típico, mas acreditando que estava amparado numa situação permitida pelo direito – caso de uma causa justificante (legítima defesa, estado de necessidade, cumprimento do dever). É chamado também de erro na descriminante.

Um exemplo está no caso de um homem que, ao perceber que um sujeito pulou seu muro no período da noite, empunha sua pistola e dispara na direção do rapaz, mas, após atingi-lo fatalmente, percebe que matou seu próprio filho, que estava sem a chave do portão de casa. Se o homem alvejado efetivamente fosse um ladrão, a ação do primeiro sujeito seria legítima, logo não seria crime.

Nesse caso, percebam, há o dolo. O atirador queria atingir o homem que pulava o muro, mas supondo que o sujeito era um ladrão. O dolo não era direcionado a atingir o seu próprio filho. Se seguíssemos o raciocínio do erro de proibição direto, não poderíamos pensar na exclusão da punição por ausência de elemento subjetivo.

Entretanto, o artigo 20, § 1º, do CP, por razões de política-criminal, dá tratamento diverso ao erro de tipo permissivo, equiparando-o ao erro de tipo por excelência. Com efeito, permite, a exclusão de pena ou a punição pelo tipo culposo se houver.

Enfim, com essa pequena exposição, espero que eu tenha ajudado muitos a aclararem as dúvidas que ainda persistem acerca dos dois tipo mais comuns de erros no direito penal. Porém, novamente eu reforço que a discussão sobre a incidência deles é gigante e varia conforme se cambie a teoria do delito adotada.

Com isso, fica o convite para os que nos acompanham para que reflitam sobre o erro no direito penal, tenho certeza que encontraram muito material para trabalhar.

REFERÊNCIAS

PACELLI, Eugênio; CALLEGARI, André. Manual de direito penal; parte geral. São Paulo: Atlas, 2015.

ZAFFARONI, Eugénio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 9. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

___________

Autor: Douglas Rodrigues da Silva.

Fonte: https://canalcienciascriminais.com.br/

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