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Identificação do perfil genético como individualização da pena e classificação do condenado

A individualização da pena ocorre em três fases:

1) a primeira ocorre no âmbito legislativo quando do momento em que se cria o tipo penal (a conduta não desejada pelo Estado e passível de uma pena), estabelecendo o legislador os contornos do que não é desejado que seja praticado pelo cidadão (norma penal incriminadora) e, caso praticado, qual e de quanto serão as penas cominadas;

2) a segunda ocorre no âmbito judicial, quando o magistrado do processo de conhecimento, no caso concreto e a partir dos critérios estabelecidos pela lei, julga a violação da norma penal criada pelo legislador e, assim, fixa a pena cabível ao agente violador na medida da culpabilidade deste;

3) a terceira ocorre no âmbito executivo ou executório (administrativo) quando o juiz que será o responsável pela supervisão do cumprimento da pena imposta adapta a pena aplicada na sentença à pessoa do condenado, concedendo-lhe ou negando-lhe direitos, como, por exemplo, a progressão do regime prisional; o livramento condicional; a remição pelo trabalho ou estudo e etc.

O art. 5º da Constituição da República reconhece, a título de direito fundamental daquele cidadão submetido ao sistema punitivo do Estado, o seguinte:

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos; 

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;

O art. 5º, da Lei de Execuções Penais, estabeleceu a necessidade de classificação dos condenados a pena privativa de liberdade, fixando como critérios obrigatórios o exame dos seus antecedentes e da sua personalidade, aos quais, ainda, podem ser agregados outros fatores, como, por exemplo, aqueles correlatos a questões familiares e sociais e, também, inerentes à capacidade laboral do preso.

A classificação do condenado, assim, é um direito. Visa estabelecer diferenciações para que cada um dos presos receba o tratamento que melhor favoreça sua reinserção social, respeitadas as diferenças existentes entre eles, viabilizando-se o cumprimento da pena imposta de acordo com suas condições e necessidades.

Enfim, a classificação do condenado estabelecida na Lei de Execuções Penal implementa os disposto como Direito Fundamental da Constituição Federal.

Questiona-se: esta diferenciação fere o princípio da isonomia ou o direito à igualdade? Não. Pelo contrário, esta diferenciação atende à igualdade substancial pois que tratam igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida da desigualdade existente.

A classificação é realizada pela Comissão Técnica de Classificação, incumbida de elaborar o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório.

Os artigos 6º e 9º da Lei de Execuções Penais tratam especificamente da classificação. A comissão pode especificar o tipo de trabalho adequado ao preso; se ele poderá estudar; se deverá participar de terapia ocupacional; se terá acompanhamento psicológico ou terapia individual ou em grupo; se deverá ser acompanhado por assistente social;  se há necessidade acompanhamento psiquiátrico; quais as atividades de lazer são indicadas; a forma como se dará a efetivação de todas essas necessidades e qual a unidade prisional indicada para o cumprimento da pena, tudo isso, com o intuito de possibilitar a adequação da pena à realidade do condenado.

Veja que antes ou durante o processo de conhecimento o princípio da culpabilidade exerce as funções de impedir a responsabilidade penal objetiva; é elemento do conceito analítico do crime e, também, atua como medida da penal.

O art. 59 do Código Penal giza:

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente [...] estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: [...].

Dessa forma, a classificação do condenado no âmbito do processo de execução penal também atende à individualização da reprimenda em obediência ao princípio da culpabilidade pois que, é direito do preso que sua pena seja adequada à suas características como ser humano.

A Comissão Técnica de Classificação poderá: a) entrevistar pessoas; b) requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações a respeito do condenado e c) realizar outras diligências e exames necessários.

Os membros da comissão devem buscar o maior número possível de subsídios a respeito do examinado (preso), o que pode ser feito por meio de qualquer outra diligência.

Ressalte-se, que o juiz da execução penal não está adstrito ao laudo exarado pela comissão quando da análise dos direitos pleiteados pelo preso, podendo julgar com base em outros elementos. O parecer da comissão não tem efeito vinculativo.

A Comissão é composta, no mínimo, por dois chefes do serviço penitenciário; um psiquiatra; um psicólogo e um assistente social.

Feitas essas considerações, exsurge a indagação: O que é identificação do perfil genético e quais suas implicações para o condenado?

A identificação do perfil genético é uma hipótese de identificação criminal que foi introduzida pela Lei Federal 12.654/2012 por meio do art. 9º-A da LEP, referindo-se a identificação obrigatório do perfil genético, mediante extração de DNA, dos condenados pela prática de crime doloso praticado com violência de natureza grave contra pessoa, bem como dos crimes hediondos previstos no art. 1º da Lei 8.072/90.

Essa previsão tem por finalidade abastecer banco de dados a fim de facilitar a elucidação de crimes em futuras investigações.

A exigência legal dessa forma de identificação é muito restrita pois que, é preciso que o condenado o seja pela prática de determinados crimes, quais sejam:

1. crimes dolosos praticados com violência de natureza grave contra a pessoa;

2. crimes hediondos, isto é, aqueles previstos no art. 1º da Lei 8.072/90;

Questão bastante tormentosa gira em torno do que seria violência de natureza grave dirigida contra a pessoa?

A doutrina diverge nesse ponto. Uma parte da doutrina entende que seriam as hipóteses previstas nos parágrafos §1º e 2º do art. 129 do Código Penal. Vejamos:

Lesão corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

Lesão corporal de natureza grave

§ 1º Se resulta:

I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;

II - perigo de vida;

III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;

IV - aceleração de parto:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§2º Se resulta:

I - Incapacidade permanente para o trabalho;

II - enfermidade incurável;

III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;

IV - deformidade permanente;

V - aborto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Noutro giro, parcela significativa da doutrina, capitaneada por Noberto Avena, na obra intitulada Execução Penal Esquematizada, Editora Grupo GEN, 2013, p. 28, entende que o termo violência grave deve ser compreendido como qualquer ato que, com o uso da força física, tenha causado lesão na vítima ou, por seu modus operandi o agente revele ter usado violência desmedida ou desproporcional. Filiamo-nos à primeira corrente.

Quanto aos crimes hediondo, o rol de delitos que possuem essa especificidade é o constante do art. 1º da Lei Federal. 8.072/90, in verbis: 

Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:

I -  homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII);

I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2º) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;

II - latrocínio (art. 157, § 3º, in fine);

III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º);

IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lº, 2º e 3º);

V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);   

VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o); 

VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).

VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998)

VIII - favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).  

Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei no 2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado.

A extração do material biológico para assim realizar o perfil genético deverá ser realizada por meio de uma técnica específica, não invasiva e indolor.

Questiona-se: O exame de DNA deve ser determinado na sentença condenatória  ou pode ser realizada ex officio pelo juízo da execução?

O entendimento que prevalece é o de que se a sentença condenatório assim determinar, o exame deverá aguardar o trânsito em julgado pois que, caso contrário, o seria ele colhido e realizado ao arrepio do princípio constitucional da não culpabilidade (presunção de inocência).

No caso da sentença condenatória nada declarar a respeito da colheita do material para o exame, poderá o juízo da execução penal determinar sua realização, ouvindo-se, antes a defesa técnica e o Ministério Público.

O banco de dados é sigiloso consoante disposto do §1º do art. 9-A da LEP.

Seu acesso, ainda que por autoridade policial, depende da autorização do juiz competente (art. 9º-A, §2º, da LEP).

Feitas essas considerações sobre o conteúdo da norma que inseriu o exame do perfil genético, questiona-se: O fornecimento dessa material é obrigatório e, por assim ser, fere a constituição federal?

Parte expressiva da doutrina entende que o fornecimento obrigatório do material genético na forma preconizada pela LEP é inconstitucional pois implica violação do disposto do art. 5º, LXIII, da CRFB/1988 que contém conteúdo implícito de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere).

 Outra parcela da doutrina diverge de tal posicionamento asseverando que, a proibição de que o indivíduo seja obrigado a produzir prova contra si mesmo alcança unicamente situações nas quais se pretenda constrangê-lo a uma postura ativa, como, por exemplo, o fornecimento de DNA no curso de uma investigação criminal em andamento para comprovar a autoria de um crime pelo suspeito/investigado.

Nesse caso, isso não poderá ser realizado. Segundo os adeptos desse entendimento, na situação descrita na LEP, temos indivíduos já condenados pela prática de determinados crimes. O fornecimento do material genético a fim de compor banco de dados para futuras investigações em relação a outros delitos não envolve um comportamento ativo pois que, apenas municia um banco de dados que será usado em futuras investigações.

Esse entendimento guarda simetria com o adotado pela Suprema Corte estadunidense no caso Schmerber v. Califórnia em 1966, oportunidade em que foi realizada a distinção entre os procedimentos que exigem a participação ativa do acusado e aqueles em que o acusado é apenas uma fonte passiva de elementos de prova, entendendo-se que, no último caso, não haveria ofensa ao nemo tenetur se detegere.

O caso, em resumo foi: enquanto estava internado num hospital em tratamento dos ferimentos sofridos num acidente automobilístico, Schmerber foi preso por dirigir embriagado. Por determinação da autoridade policial que presidia o inquérito policial, um perito obteve uma amostra de sangue de Schmerber.

Embora a defesa tivesse objetado tal procedimento, o sangue foi extraído e submetido a exame de dosagem alcoólica. Perante a Suprema Corte, Schmerber alegou que a extração de seu sangue havia violado o privilégio contra a autoincriminação. Ao rejeitar este argumento, a Corte sustentou que o privilégio se aplicava somente ao interrogatório, e não à perícia ou prova real.

Subsequentes julgados da Suprema Corte reafirmaram a distinção, reconhecida em Schmerber, entre o privilégio contra a autoincriminação no interrogatório (prova oral) e na prova real. Na esteira da jurisprudência que se formou a partir de Schmerber, a prova física ou real obtida por meio da maioria das técnicas forenses escapa a discussão sobre a sua ilicitude (por ofensa à V Emenda), salvo quando se trata do interrogatório do acusado.

O entendimento esposado no caso Schmerber estendeu-se à coleta de material para as perícias grafotécnica, de identificação dactiloscópica, de comparação de voz, urina, de embriaguez, residuográfica, cabelo, entre outras. Casos mais recentes excluem a aplicação do princípio na obtenção de amostras para exame de DNA.

A questão foi levantada pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais perante o Supremo Tribunal Federal no RE 973837 (recurso extraordinário) o qual foi reconhecida a repercussão geral e aguarda julgamento perante o Plenário. Vejamos a notícia extraída do web site do Supremo Tribunal Federal:

STF vai analisar constitucionalidade de banco de dados com material genético de condenados

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se é constitucional a coleta de DNA de condenados por crimes violentos ou hediondos com o objetivo de manter banco de dados estatal com material genético. A matéria, objeto do Recurso Extraordinário (RE) 973837, teve repercussão geral reconhecida, por unanimidade, pelo Plenário Virtual da Corte.

O que fazer diante dessa questão ainda não decidida?

O advogado, o Defensor Público e até o próprio apenado devem se insurgir quanto à determinação valendo-se do asseverado nesse artigo até que o STF decida sobre a questão.

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Autor: Rodrigo Murad do Prado

Fonte: https://canalcienciascriminais.com.br

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