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A ilusória oralidade no processo penal brasileiro

Mulher apontando microfone à câmera.

Entende-se por oralidade processual toda manifestação de voz realizada durante os atos processuais em determinada ação penal. Formalmente, há oralidade no processo penal brasileiro, mas, ao que se diz a prática, ou seja, materialmente, a resposta será não.

Percebe-se isso com a simples comparação da oralidade no processo penal brasileiro com os moldes orais de países cujo processo penal fora refundado após período ditatorial, como, por exemplo, o Chile, sendo estes tidos como detentores de processos céleres e efetivamente democráticos e acusatórios.

Muito embora o legislativo tenha elencado alterações no código de processo penal brasileiro como “reformas”, “mini-reformas”, ou qualquer derivação nesse sentido, sob o ponto de vista processualista, observando as refundações ocorridas na América Latina, não há que se falar no termo “reformas” no processo penal brasileiro, haja vista que, muitas delas, pouco corroboraram para a melhoria do sistema processual, isso se não acabaram por prejudicar ainda mais o processo penal defasado e falho existente.

Imperioso mencionar o projeto de lei de 2008 – ainda em trâmite – que visa “criar um novo código de processo penal brasileiro”, na época de criação apoiado por processualistas brasileiros importantes, tais como Jacinto Nelson Miranda Coutinho.

O referido projeto de lei passou por tantas emendas no legislativo que, se aprovado hoje, viria para prejudicar ainda mais a situação processual brasileira, eivado de traços inquisitoriais e ainda com a visão dependente da instrumentalidade, ou seja, de processos escritos.

Passando ao ponto da oralidade em questão, o código de processo penal brasileiro apresenta a oralidade apenas em alguns pontos específicos, tais como o disposto no artigo 271 do referido código, o qual dispõe sobre o poder do assistente de acusação de integrar debates orais.

Ainda, consta o termo no artigo 403, o qual refere-se sobre o oferecimento de alegações finais orais, realizadas durante audiência, havendo a opção do promotor e advogado de oferecê-las por memoriais, em via escrita.

Num ponto de vista usual e de atuação, não existe oralidade no processo brasileiro, o que se conhece sobre oralidade no processo penal brasileiro circunda-se apenas na inquirição do réu, na oitiva de testemunhas e raras vezes em acusação e defesa das partes em alegações finais ou sessões de julgamento.

Perceba, portanto, que não há nenhum benefício existente com a “oralidade brasileira”, sendo este um reflexo das origens do processo penal brasileiro, o qual inspirou-se no processo italiano advindo de um regime fascista e, por conseguinte, inquisitório.

A defasagem do processo brasileiro, ocasionada pela dependência do contido nos autos, da instrumentalidade, da escrita, da grande quantidade de atos formais desnecessários, tais como os infinitos despachos, carimbos, numerações, entre outros atos que não envolvam necessariamente instrução processual e julgamento e, ainda, na baixa resolução dos processos, acaba por formar um processo penal moroso, de baixa resolução, prejudicial ao réu e até mesmo a sociedade.

Toda crítica deve vir com uma solução, neste caso, salienta-se a necessária reestruturação do processo penal, ou como diz Fauzi Hassan Choukr (2017, p. 69), uma refundação, onde ele aduz:

Essa refundação implica a adoção de um modelo de políticas-públicas, de longo termo, com a visão clara dos passos a serem dados e no ritmo desejado para essa marcha que é, em si mesma, complexa e sujeita a retrocessos porquanto não encerra apenas a dimensão técnica, mas, sobretudo, a política.

Uma das alternativas a se adotar, após uma refundação processual penal, consiste no uso efetivo da oralidade, ou seja, na utilização da oralidade no oferecimento e decisão sobre o recebimento da denúncia, a produção de provas, as argüições de nulidade, as defesas e acusações e, a prolação de sentença, referindo-se ao primeiro grau, tendo em vista ser o com maior carga processual.

Esse modelo de processo penal é utilizado pelo Chile, cuja implementação demandou esforços de todo um sistema, qual seja o investimento em estrutura e capacitação do Estado, o treinamento dos membros dos tribunais, Ministério Público e até mesmo defensorias públicas, com auxílio do Centro de Estudios de Justicia de las Américas – CEJA.

No início da implementação houve certa resistência, principalmente dos juízes, os quais ainda detinham certa mentalidade inquisitória. No entanto, após a conclusão dos relatórios e das fases de implementação do CEJA, o tempo de tramitação processual reduziu drasticamente e, ainda, a quantidade de resolução de conflitos em 1º grau aproximou-se de zero.

O processo penal chileno é composto por três audiências, a primeira de formalização da acusação, que se assemelha às audiências de custódia, outra de admissibilidade da acusação e a terceira de julgamento.

Um ponto interessante e explicitado por Luis Colavolpe (2017, p. 282) consiste na preservação da real função dos aplicadores processuais, ou seja, o juiz julga,o  Ministério Público acusa e defesa realiza a defesa, passando aos dois últimos o ônus probatório, os quais serão produzidas em audiência.

Outro ponto interessante, o magistrado que conduz a instrução não é o mesmo que julga, não afetando, portanto, a imparcialidade do magistrado. Ao todo, o modelo processual trazido por Binder e Mayer e aplicado no Chile resulta em um processo penal efetivamente democrático, próximo, se não exato, de um processo acusatório.

Com a breve explanação sobre o processo penal chileno, podemos nos inspirar e reforçar idéias no sentido da adoção de modelos processuais eficazes, céleres, e, principalmente, acusatórios.

O processo penal brasileiro atual não mais se encaixa na sociedade e, a sua refundação, muito embora aparente ser difícil de ocorrer no Brasil, é manifestadamente necessária e urgente.


REFERÊNCIAS

CHOUKR, Fauzi Hassan et al. Mentalidade Inquisitória e processo penal no Brasil: PERMANÊNCIAS INQUISITIVAS E REFUNDAÇÃO DO PROCESSO PENAL: A GESTÃO ADMINISTRATIVA DA PERSECUÇÃO PENAL. Florianópolis: Empório do direito, v. 2, 2017.

COLAVOLPE. L.E. L.S. A Oralidade na Audiência Criminal como Ferramenta para um Processo Penal de Garantias. In: COUTINHO, Jacinto Nelson Miranda, et al. (Org.). Mentalidade Inquisitória e Processo Penal no Brasil: o sistema acusatório e a reforma do CPP no Brasil e na América Latina. Florianópolis: Empório do Direito. 2017.

Autora: Suzana Rososki de Oliveira

Fonte: https://canalcienciascriminais.com.br/

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