Executivo apontando o dedo indicador.
A Culpa da Coisa
12 de janeiro de 2018
José Caubi recebe moção de louvor pela Câmara Legislativa do DF.
José Caubi recebe Moção de Louvor pela Câmara Legislativa do DF
22 de janeiro de 2018
Exibir Tudo

O fascínio pelo assassino

Pintura de um homem branco com barba e cabelos ruivos.

O fascínio pelo assassino. De toda a multiplicidade de realizações humanas, matar é provavelmente o ato mais audacioso de todos. Nas sociedades civilizadas, a restrição é tão severa que aquele que o pratica é visto como alguém desprovido de sanidade. Não seria exagero tachá-lo de “corajoso”.

Ao decidir e consumar a destruição do semelhante, o indivíduo rompe o pacto de convivência mútua para com o grupo do qual fazia parte. Na verdade, como Freud já bem explicou, a agressão é algo sintomático no contexto de uma coexistência tensa e conflituosa em sociedade.

A reunião de indivíduos de gênio particularmente complexo, instável e livre, fazia o pai da psicanálise ver a civilização como uma panela de pressão com a válvula de escape obstruída.

Matar é uma capacidade inata a qual somos pressionados a abnegá-la desde o princípio. Então podemos constatar que matar é algo natural e relativamente fácil e, não raro vemos o outro como fonte de frustração e sofrimento, constituindo uma notória ameaça à nossa felicidade.

Estão aí as condições favoráveis para a perpetuação do assassinato, tal qual o detetive considera os critérios de “motivo e oportunidade”. Salvo as implicações posteriores, muitas vezes, matar é visto como uma opção prática para solucionar um incômodo.

Se nos permitirmos especular e levarmos em conta que é uma atitude extrema e excepcional, reservada apenas a alguns mais “ousados” (ou envolvidos pelas circunstâncias propícias), é possível que nutrimos secretamente admiração por esses indivíduos, ou pelo fato de eles se apropriarem dessa capacidade?

Será que há qualquer indício característico de inveja nos redutos mais obscuros de nossa esfera inconsciente ou subconsciente? Ainda que pareça uma hipótese implausível ou absurda à primeira vista, é importante fazermos algumas considerações.

O fato de ser algo tão comum à natureza e ao próprio ser humano, e ao mesmo tempo constituído de um caráter tão grave e desestabilizador, sendo peremptoriamente restrito, mas ainda assim ocorrer de forma constante, no mínimo deixaria perturbado qualquer visitante extraterrestre.

Se a vida é tão preciosa e a morte tão nociva, como que os indivíduos ainda se prestam a cogitar e efetivamente perpetrá-lo? – o estrangeiro se perguntaria. De fato, o assassinato é um fenômeno… impressionante!

É patente nosso inconformismo diante de algo tão adverso e absurdo. No ideal comunitário nós nunca deveríamos morrer e uma pessoa nunca deveria matar outra. Se já é difícil aceitarmos a morte acidental ou natural, é inconcebível que uma pessoa provoque a morte de outra.

Por outro lado, essa reação instantânea e involuntária pode ser apenas uma síntese para um quadro emocional mais complexo do que mera indignação. Tudo indica que esse sentimento provém alguns outros, não tão identificáveis à primeira vista.

O que sentimos diante de um caso de homicídio é um misto de temor e compaixão, o que acarreta em indignação. Ao mesmo tempo em que nos apiedamos da vítima, caso convenha, tememos sofrer o mesmo destino. Em seguida ficamos inconformados e canalizamos repulsa ao assassino.

Mas se avançarmos para além de uma abordagem superficial das emoções suscitadas, poderemos deduzir uma série de pressupostos racionais que podem ou não ser suportados pelos sentimentos referidos. Quando contemplamos um quadro vítima-assassino, é certo que somos acometidos de aflição.

Essa aflição se deve à realidade terrível a qual se encerra. Esse é o derradeiro momento em que nos damos conta de nossa fragilidade em meio a um mundo hostil, estranho e caótico.

A princípio parece que sempre nos identificamos e nos solidarizamos com a vítima inocente e repudiamos o assassino. Mas se nos lançarmos a uma reflexão mais aprofundada e nos permitirmos explorar todas as nuances possíveis verdadeiras ou não, nesse caso veremos que a apreciação moral é mais complexa em algum nível abaixo da esfera consciente.

Embora saibamos de nossa neutralidade e distância do fato, a percepção lúcida aliada à nossa imaginação nos envolve de tal maneira que logo nos vemos “inseridos” naquela situação extrema. A imaginação parece induzir-nos a uma escolha categórica entre duas opções igualmente inconcebíveis a um gênio moral: matar ou ser morto.

Essa sintonia ora com a vítima ora com o assassino é inevitável. Isso se deve ao fato de que, ao contrário de contemplarmos qualquer outro fenômeno natural ou mecânico, essa é uma situação que envolve pessoas, seres análogos a nós.

A angústia provém da simulação dessa situação limite propiciada pelo caráter peculiarmente onisciente e onipresente de nossa consciência. Essa “identificação” para com ambos ocorre de maneira involuntária por meio de uma apreciação moral. Afinal, ocorrendo de maneira lúcida e consciente só poderia denotar um claro impulso homicida para o caso do assassino, e suicida no caso da vítima.

Essa dicotomia vítima-assassino nos invade de maneira tão incisiva que nos remete a um cenário sombrio: Se por um lado matar nos condena ao estigma e degradação moral, por outro, deixar-se morrer contraria nossos instintos de sobrevivência e autopreservação. Isso se constitui num paradoxo moral insolúvel e aterrorizante.

Afinal, é preferível matar ou ser morto?

Todavia, as circunstâncias de um assassinato real podem alterar nossa percepção quanto ao teor e intensidade. No caso de, por exemplo, um assaltante armado que tenta roubar um estabelecimento e subjugar o proprietário, mas acaba sendo morto pelo mesmo numa reação inesperada, não nos parece muito problemático.

Uma pessoa de gênio moral não teria maiores preocupações em identificar-se com a vítima corajosa. Apesar de toda a restrição, foi um ato de legítima defesa, aceitável social e legalmente. É um desfecho favorável e… justo. Podemos tomar partido da vítima sem sofrer os efeitos de um conflito moral.

O caso de o assaltante obter êxito e, no decorrer da ação, acabar matando o proprietário, suscita em nós uma resposta emocional mais complexa, uma vez que nos vemos obrigados a nos identificarmos com a vítima e, concomitantemente, até considerarmos a iminência de nossa própria morte.

Aí estão os pré-requisitos que caracterizam o autêntico homicídio. Agora nossa identificação para com a vítima não parece mais tão tranquila. Na verdade, uma morte nessas circunstâncias é especialmente estressante nalgum nível subconsciente.

Não é possível uma identificação irrestrita para com a vítima porque isso nos leva a nos posicionarmos em seu lugar, à mercê do mesmo destino indesejável. Podemos dizer que morrer é o fracasso por excelência.

Se por um lado não queremos nos colocar no lugar da vítima, por outro, tampouco queremos tomar partido do algoz. Essa “situação” envolvendo “versões diferentes de nós mesmos” nos promove de observadores “passivos” para observadores “ativos”, nos instigando assim a uma escolha categórica entre um e outro.

A regra universal da sobrevivência nos diz que é preferível matar a ser morto. Embora seja difícil admitirmos num nível consciente, é inegável que o assassino representa ação e triunfo. E a vítima, derrota e aniquilação. Daí a aflição. Somente um estalo para a dispersão pode nos tirar dessa armadilha.

Por sorte, estatisticamente é bastante improvável de um dia nos vermos encurralados numa situação real semelhante. Além disso,nesses casos, matar ou morrer não se trata de uma escolha racional, deliberada e isenta. Quase sempre é um resultado produzido no domínio do acaso junto a determinado estado de ânimo ou circunstâncias propícias. O que faz de um ser a vítima e o outro o assassino é um efeito de múltiplas causas.

Em relação à vítima, é interessante notar que é justamente esse sentimento de angústia frente à ameaça representada pelo homicida que nos instiga a projetar prontamente uma reação firme e veemente a fim de eliminar a ameaça, tal qual uma investida contra um inimigo.

Certamente que é uma reação motivada mais pelo instinto de sobrevivência do que por uma ponderada apreciação moral consciente. É uma resposta impulsiva e inflamada. Aí está a origem de medidas práticas como a vingança, linchamento ou pena de morte. Apesar disso, precisamos reconhecer o direito natural de um ser consciente desejar destruir tudo aquilo que ameaça sua existência.

Chegando ao fim dessa reflexão, não pudemos constatar que sentimos inveja do assassino de forma velada. Se a “situação de morte” da vítima nos causa repulsa, a ousadia insana e imprudente do assassino desperta curiosidade. É para ele e seu ato inconcebível que concentramos nossa atenção.

O indivíduo como vetor de morte é tão ou mais perturbador do que a própria morte da vítima. Porque a morte é natural e sobrevêm de outras formas. Assim sendo, é correta a proposição de que nutrimos fascínio pelos criminosos. Fascínio esse que não implica necessariamente em admiração pela sua índole imprópria.

O ato de matar enquanto fenômeno natural e social nos impele a buscarmos por uma compreensão lúcida e abrangente. Porque tendemos a buscar explicações racionais, as causas e circunstâncias de tudo aquilo que nos é estranho ou absurdo.

Então concluímos que não há inveja. O que existe é um fascínio natural e lícito diante de um fenômeno intrigante. Este ensaio é fruto deste fascínio.

Ainda que nos pareça inspiradora a imagem de um indivíduo firme e decidido, que faz valer seus impulsos e desejos de forma instantânea, no caso de um assassinato, o senso moral, bem como as conseqüências prejudiciais a curto e longo prazo, tudo isso nos impede que desejemos incorrer nessa conduta.

Também não é possível afirmar que matar trata-se necessariamente de um “desejo” reprimido. Desejo implica numa inclinação patente e direcionada a determinado objeto ou situação.

Tudo o que concluímos sobre prováveis reações ou impressões ora para com a vítima ao para com o assassino não passa de especulação teórica, uma vez que não há meios à vista para uma verificação empírica.

Esse é o problema de se investigar sensações, sentimentos ou fenômenos abstratos, existentes apenas no mundo nebuloso e instável das ondas cerebrais. São pressentimentos que não aparecem de maneira clara, inteligível ou concreta em nossa mente.

Nem por isso vamos descartar completamente tudo o que foi deduzido ao longo deste ensaio. Empreendemos uma reflexão lógica e coerente, verossímil à realidade.

Não invejamos o assassino e não desejamos essa condição. Apesar disso, nossa imaginação livre nos permite simularmos situações realistas, podendo ou não um dia se concretizar. E isso, de um jeito ou de outro, nos atrai como uma luz misteriosa. O campo da ficção é abundante nesse aspecto.

Embora a facilidade, bem como nossa inequívoca inclinação natural para agressão, matar pode ser uma perspectiva relativamente remota para um indivíduo de gênio moral íntegro. Porém, independente do quão remoto seja ou pareça ser, o fato é que matar permanecerá sempre como uma possibilidade inerente.

Autor: Douglas Cristian Silva Frezza

Fonte e imagem: https://canalcienciascriminais.com.br/

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

quinze − catorze =